14/11/2008

TEATRO

ESTAÇÃO TERMINAL

Personagens
Voz, Ambulante, Tocador
A Pedinte, Casal de namorados
Senhora 1, Senhora 2 e Rapaz sentado
Homem Parado e Pregador
Funcionário e Passageiros

Vagão de um trem. Sons de estação de trem. Sinal sonoro e as portas se fecham. Ação de ambulantes. Os passageiros dormem, lêem ou fitam seus próprios horizontes, alheios. Diante de uma das portas, um homem parado fita fixamente a paisagem passando. Um casal se beija loucamente. Um ambulante em atitude suspeita circula abordando discretamente os passageiros, que negociam com ele. Não muito distante dele estão duas senhoras. Uma A Pedinte, já idosa, circula entre os passageiros. Levanta-se o Menestrél.

Voz — [Sinal sonoro] Senhores passageiros, este trem tem como destino a Estação Terminal. A companhia agradece a preferência e deseja a todos uma boa viagem.

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Passageiro dessa vida
Sarta fora dessa margem
Vamos embora na viagem
Sem chegada, nem partida
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Cá dentro dança a paixão
Bem rente ao fundo do poço
Tem gente que do mundo é o caroço
No centro desse vagão
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Ambulante — [Passando, oferecendo] ...quem vai, quem vai? Na minha mão é mais em conta, com garantia. Quem vai, quem vai? [Se afasta quando a A Pedinte se aproxima]

A Pedinte — Boa tarde, senhôri. Boa tarde, senhóri. Eu peço sua ajuda. Eu não sou vagabunda. Eu só não tenho pra onde ir nem aposentadoria pro meu sustento, senhôre. Eu não tenho família nem ninguém. Uma moedinha pra mim. Deus paga, senhôri... [Se distancia, recomeçando a ladainha]

Sra.1 — [De pé, espera que um rapaz (que finge dormir com a cabeça recostada numa placa de “Acento Preferencial”) lhe ceda o assento preferencial] Mas é uma pouca vergonha!

Sra.2 — Olha ali. Tá vazio e bem arejado. Senta lá, menina.

Sra.1 — [Irônica] E ocupar um assento reservado a um jovenzinho como esse aí? De jeito-maneira.
[Secando o casal de namorados] Mas é de outra pouca-vergonha que eu estou falando...

Sra.2 — [Olhando a A Pedinte] Ela? Ah, Lucilia, que medo de julgar os outros... Eu lá sei do dia de amanhã? Graças a Deus eu tenho a pensão do Agnaldo e os netos ainda me visitando... Vai saber do que ela sente falta!

Sra.1 — Eu sei muito bem do que: rédea curta. Educação. Berço.

A Pedinte — [Retornando para aquele lado do vagão] ...e eu não tenho família e nem amigos, senhóri e senhôri. Por isso eu peço uma moedinha, sinhôri... [Se afasta]

Sra.2 — [Começa a fuçar a sua bolsa] Eu sei lá. Nessa altura do campeonato, minha irmã, o melhor é garantir pelo menos um voto a favor no Juízo Final... Ei, aqui. Aqui!

[Toca o sinal sonoro. Entra e sai de passageiros. A Sra.1 aproveita pra dar uns empurrões no rapaz que ocupa o “seu” lugar. Sinal sonoro. Portas se fecham. Trem em movimento]

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Das coisas que são e estão
Tocador só planta a semente
Tocador só canta somente
Coisas que estão e não são
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Desilusão é a bênça
Daquilo que é amor
Pra quem brinca de amor
Naquilo que pensa
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem

Rapaz — [à Sra.1] A senhora deseja alguma coisa?

Sra.2 — Nada não, meu filho. É que no passa-passa, a minha irmã, sem querer...

Rapaz — Tudo bem, deixa pra lá. [Faz que vai voltar ao cochilo]

Sra.1 — Sem querer uma pinóia!

Sra.2 — Lucilia!

Rapaz — O que é que tá pegando, tia?

Homem Parado — [Checa a paisagem, pensando alto] Uma árvore... um prédio... cartazes... torres elétricas... outra árvore... outra árvore... prédios... o céu... o Céu! [Continua, para si]

Sra.1 — Quanto tempo faz que o pai foi dessa pra melhor, Marta?

Sra.2 — Papo furado, esse. Pra mais de cinqüenta anos...

Sra.1 — Quem é que foi buscar o sustento pra casa, depois disso?

Sra.2 — Tenha paciência. Isso não é lugar pra gente...

Rapaz — Deixa a dona desabafar, tia... Faz bem.

Ambulante — [Passando, oferecendo] ...vai aí, dona? Baratinho, a senhora tá precisando. Vai levar, hoje? Vai?

Sra.1 — Ponha-se no seu lugar, mascate!

Ambulante — Mascate, não, freguesa. Ambulante! Tô na área, precisando é só chamar. [Se afastando, oferecendo] Olha aí, olha aí. Quem vai querer? Tá na promoção...

Sra.1 — Bando de vagabundo. [Para o rapaz] Vou falar, sim. Você precisa de uma boa lição. [Referindo-se ao casal em beijo] Aliás, tem muita gente aqui precisando de um bom puxão de orelha. A vida é coisa séria, que exige respeito de todo mundo por todo mundo pra que o mundo seja mundo. Ai, inferno. Lá vem de novo a ladainha...

A Pedinte — [Ouvida, de longe] ...eu só não tenho pra onde ir nem aposentadoria pro meu sustento... eu não sou vagabunda, senhôre... [a voz desaparece]

Pregador — [Levantando-se repentinamente] Em nome do Senhor Cristo, meu rei e salvador, eu expulso desse vagão todos os demônios e seus asseclas do Mal! ...

Sra.2 — [Numa prece alta] Pra sempre o Senhor seja louvado!

Pregador — Nesse mundo do Coisa Ruim, minha gente, não tem alma pecadora que não pergunte todo dia pro espelho: de onde eu vim? Pra onde eu vou? Pois em verdade eu vos digo, meus irmãos: do pó ela veio e pro pó retornará! Manda um lá, tocador, em nome de Deus... [Sai pelo vagão cantarolando um hino evangélico]

Sra.1 — Meu pai morreu em alguma caverna mofada levando choque no pinto dos meninos do Getúlio...

Rapaz — Quem?

Sra.1 — [Para o Rapaz e o Casal] Tem gente que também devia também sair da vida pra não empestear a história!

Sra.2 — Lucilia, olha os modos...

Sra.1 — [Para o rapaz] Faz o seguinte: pensa num choque elétrico aí, no seu lugarzinho. Quem sabe o menino não aprende viver em sociedade... a respeitar e conservar regras? [Pausa] Levanta, moleque!

Rapaz — Eu não.

Sra.2 — Senta aqui, Lucilia. Eu sento lá. É muito vexame...

Homem Parado — [Tentando “reter a paisagem”] Olha, olha, olha! Ah, foi, foi, foi...

Sra.1 — [Para o homem parado] Tá falando com quem, criatura? Com o vidro?

Homem Parado — [Fingindo falar ao celular] ...eu chego logo, meu amor, estou no trem. As crianças já chegaram? Eu vou dar uma espiada nos deveres do Júnior, avisa ele. E liga pra sua mãe. Que tal um almoço no domingo? Eu também te amo, benzinho. Bye-bye! [Para Sra.1] A senhora falou comigo?

Sra.1 — Não, senhor... eu... [O homem parado volta a fitar através do vidro da porta. Silêncio] Você não se atreva, Marta! Esse cocozinho não sabe de nada. O que é ter um pai imbecil, de miolo mole, que preferiu dançar o tango com aqueles malditos vermelhos e toda aquela lorota de mundo melhor. Mundo melhor, pois sim. Que mundo? E melhor pra quem?!

[O Casal intensifica o malho]

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Dos poros a seiva brota
Na explosão da vontade
A expressão da verdade
Nos olhos de quem importa
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Vam’bora buscar o que brilha
Que traz o que é pronde está
Que faz o que é longe chegar
Vam’bora varar essa trilha
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem

Homem Parado — Passa... tudo... E passa rápido! Eu... eu não consigo segurar... eu... eu não...

Sra.1 — Meses sem notícia daquele vagabundo. Sabe o que é isso? Ter uma mãe só preocupada com turismo por delegacias, hospitais, necrotérios e os malditos “aparelhos” que viviam estourando e ressurgindo aqui e acolá, você faz idéia do que é viver assim? Pois nós duas temos, moleque. A gente arregaçou as mangas e cai na labuta, na vida-dura. Você sabe o que é trabalhar?

Rapaz — Imagino.

Enamorada — [Intensa] Vo...cê... Mim...?

Sra.1 — Fui faxineira, copeira, jardineira, governanta, operária, datilógrafa, escriturária, recepcionista e até desempregada...

Pregador — “As mulheres idosas que sejam sérias no seu viver, como convém às santas, não caluniadoras, não dadas a muito vinho, mestras no bem.”

Rapaz — Tá ouvindo ali, tia?

Sra.2 — Versículo 2 do capítulo 3 da Epístola de Paulo a Tito?

Pregador — [Esnobe] Versículo 3, irmã. Capítulo 2! [A todos] A hora da salvação não foi ontem nem será amanhã. Não temos todo o tempo do mundo, não. Vamos abrir os nossos corações à Palavra, minha gente... [Sai pelo vagão pregando e tromba-se com o Ambulante, em seu caminho]

Ambulante — E aí, santidade? Vamos fazer negócio, hoje?

Pregador — “A boca do tolo é a sua própria destruição e, os seus lábios, um laço para a sua alma.”

Ambulante — Então! Por que não aproveita a promoção?

Sra.2 — Hebreus, irmão?

Pregador — Não, infiel! Provérbios, 18:7. [Afasta-se, furioso para o lado oposto em que se afasta o Ambulante]

Sra.2 — [Castigando-se] Ô meu Jesus Cristinho, me perdoa a imperfeição! [Recompondo-se] Lucilia, vamos descer na próxima estação e visitar a Amelinha?

Sra.1 — Asilo não é lugar de visita... é cemitério de elefante! Eu tenho mais o que fazer. [Para o rapaz] Analfabeto.

Rapaz — Eu?

Sra.2 — É por causa desse aviso aí, filho, do seu lado da sua cabeça. Mas não leva ela a mal, não. É que o INSS atrasou a nossa aposentadoria esse mês...

Rapaz — Putz.

Homem parado — Está passando... passando... passando... é tão pouco, tão curto, tão rápido... e eu? Cadê eu!...?

[O Casal se beija ansiosamente. O olhar de ambos está estateladamente cravado um no outro. As mãos se percorrem e se apalpam, buscando fusão]

Ambulante — [Irritado, desabafa sobre o Casal] Isso acaba com o meu negócio... [e se afasta]

Homem parado — [Assustado, apela novamente pro celular] ...inviável, Siqueira! Olha, vende setenta por cento das minhas ações e transfere o capital pra conta das Ilhas Cayman. Do restante deixa só dez por cento e os outros vinte divide nas contas das crianças, tá bem? Me liga do aeroporto. Bye.

A Pedinte — [Passando] ...uma moedinha pra mim... eu não tenho família, sinhôri... Deus paga... [se afasta]

Sra.1 — Desempregada ou não, moleque, fique você sabendo que minha vida inteira eu sempre paguei todos, eu disse todos os meus impostos. Como o próprio nome já diz, imposto não é algo que se discute: se paga. “Dái a César o que é de César”, é ou não é, ô Pregador?

Pregador — “De ouvido ouvireis e de maneira alguma entendereis. E vendo, vereis. E de maneira nenhuma percebereis.” [Para as Senhoras] Provérbios capítulo 2, versículos 1 e 2!

Sra.2 — É... é... espera só um minuto, que eu digo... é Romanos?

Pregador — Atos, 28:26, impura!

Sra.2 — [Para Sra.1] DIABO! Eu confundi com a página anterior. Enxofre dos infernos!

Rapaz — Só.

Sra.1 — Se é justo ou injusto, se inventam novidade pra cada imposto ou se ele é demais ou de menos, isso não é da minha conta, nem da sua, nem de ninguém. Tem que pagar. Quem não sabe pagar não merece comprar. Não serve. Tá na margem. Sem valor nenhum. Peso morto. É isso que aquele imbecil avermelhado nunca entendeu! E fez a gente comer o pão que o Kremlin amassou, depois que o Getúlio deu cabo dele e pôs ordem no pardieiro. Que é que você faz da vida, fedelho?

Rapaz — Inspiro piedade.

Ambulante — [Passando] Vai aí, garoto? Aqui tá pela metade do custo, hein. Tem de tudo, é só escolher e voilá!

Rapaz — Sossegado. [Ambulante se afasta]

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem [continua, só cantarolando]

Enamorado — [Aos pés da Enamorada] ...te quero... em mim... [ergue-a para dançarem cada vez mais fundidos um ao outro]

Sra.2 — [Aflita] Jesus Santíssimo... olha aí, esses dois...

Sra.1 — Hoje em dia não, violão. O mundo tem dono, tem ordem, tem paz. É tudo uma coisa só, um pensamento só. O Bem venceu! Até barbudinho tá catequizado. E eu me orgulho de ter feito a minha parte. Hoje, no altar dos meus setenta anos, eu sou uma CI-DA-DÃ que pode olhar pra você, cocô, e dizer: esse lugar é meu!

Rapaz — Mas é ruim, hein!

Homem parado — [Escreve desvairadamente em uma agenda] Hoje, é... calma... devagar... eu... essas árvores! O cimento... Não... as árvores... no cimento... Não... as árvores de cimento... de trilhos... Não... trilhos de cimento... nas árvores... Não... as árvores no cimento de trilhos... Talvez abrir essa porta... virar paisagem... passar... [continua sofregamente balbuciando e escrevendo]

Ambulante — [Gritando, de longe] Aqui tá mais barato, aproveita, freguês!

Sra.2 — [Ao Rapaz] É que nós duas planejamos tanto uma velhice melhor, sabe. Aí, o governo...

Sra.1 — O governo sabe o que faz, Marta. Sempre.

[O trem pára. Sinal sonoro. Abrem-se as portas. Discreto, o homem parado “fala ao celular” enquanto dá passagem ao entra e sai. O Pregador aproveita a pausa para pentear-se demoradamente. O Rapaz tenta afastar-se da pressão exercida pelo corpo da Sra. 1 — repreendida silenciosamente pela Sra.2. O Casal permanece na mesma energia. Sinal sonoro. Fecham-se as portas. Trem em movimento. O Homem Parado retoma suas anotações diante do vidro da porta. Enquanto tudo isso acontece, o Tocador cantarola]

Rapaz — Tá me excitando, tia...

Sra.2 — Filho!

Sra.1 — Toma, descarado. (Bolsada)

Enamorado — [Desesperado, mergulha o rosto nos seios dEla enquanto sorpo se encaixa inteiramente entre as coxas dEla] Casa... minha...

Sra.2 — Santo Deus!

Enamorada — ...jorro...

Homem parado — [Para a paisagem] ...de que valeu... de que vale... vale... não vale... eu... que vale, eu... quanto...

Enamorada — [Montando em seu colo] Seiva... do... fruto... meu...

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Pra vossa fina degustação
Aqui tem prato pra cada gosto
Tem pacto pra cada rosto
Na fina bossa desse vagão
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
Quando cai a escuridão
A chama que brilha floresce
Vamos ver o que acontece
Co’as almas desse vagão
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem

[Túnel escuro. As falas das personagens embaralham os anseios, em uníssono com o barulho dos trilhos]

Rapaz — Eta, pau!

Homem parado — [Desesperado] Pára, pára! Assim eu não... eu ainda não concluí, não concluí...

Rapaz — Mas...

Sra.1 — Direitos, moleque, direitos!

Pregador — Eu vos condeno! Eu vos condeno!

Enamorada — ...até que a morte do avesso nos traga à luz... eu não sou mais eu!

Ambulante — Vamos lá, freguesia, vamos lá. Quem sabe faz, não espera acontecer... vamo’lá!

Pregador — Escória!

Rapaz — Espera, tia! A camis...

Sra.1 — Esse lugar é meu!

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem [continua cantarolando]

Pregador — “Prepara uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos...”

Rapaz — Putz!

Enamorado — ...que jorre terra adentro, esta seiva em meu amor...

Homem parado — ...a paisagem, cadê... o tempo, cadê... eu, cadê?!...

Casal — [Escala rumo a um orgasmo]

Ambulante — Na luz do dia o freguês paga o dobro, mas na minha mão é só um real. No túnel é promoção em dobro...

Sra.2 — Filho, filho...

Homem parado — Alguém me chama, por misericórdia... senhoras? eu preciso ouvir o meu nome... pregador?... eu estou aqui?... Meu nome é SAL-VA-DOR...

Pregador — Onde está o alarme? Socorro! Me tirem imediatamente daqui. Eu estou em perigo com vocês, com esse cheiro de gozo livre.

Ambulante — Vamo’lá, freguesia, vamo’lá: é garantia de sucesso ou a sua vida de volta!... Tem genérico de cicuta, tem gilete enferrujada, trezoitão zerado com duas balas pro caso de errar a mira. Tem tranqüilizante em dose de elefante com validade vencida.

Rapaz — TIA!

Casal — [Orgasmo]

Pregador — Devolvam o meu céu...

Ambulante — Tem na Linha Top: vaga pra trabalhar naquilo em que não se acredita. Casamento por dinheiro ou por cagaço. Heterossexualidade artificial...

Sra.1 — Marta...

Pregador — Ai de ti, Salvador, ai de ti! Experimenta só se me esquecer na hora da glória...

Sra.2 — Relaxa, filho... é gostoso...

Sra.1 — Marta... eu... também quero!

Ambulante — Tem coração vazio ou pulsando no lugar errado. Tem voto vendido. Vamos lá, freguês, aproveita o túnel. (Vai se distanciando) É pegar ou largar... Olha o suicídio, olha o suicídio...

[O trem começa a diminuir o velocidade]

Voz — [Sinal sonoro] Estação Terminal. Solicitamos a todos que desembarquem nessa estação.

[A escuridão desaparece. Como se nada acontecera, as personagens se preparam para o desembarque]

Rapaz — [Para a Sra.2] Ei, dona... [indica a bíblia esquecida no banco]

Sra.2 — Ah... tá. [Apanha displicentemente a bíblia esquecida]

Sra.1 — [Junto da Irmã, na porta] Marta, que tal uma visita à Amelinha?

Sra.2 — Uma excelente idéia, querida. [Para o Homem Parado] O cavalheiro pode me dizer as horas?

Homem parado — [Ainda em pânico] Para que? [Pausa. Ambas gargalham, isolando o homem parado, que se dirige ao Pregador] Quem sou eu? [Pausa. O Pregador também cai na gargalhada, enquanto o Casal se aproxima. Para o Ambulante] Vem cá...

Ambulante — Manda, freguês!

Homem parado — [Para o Casal] O que vocês me recomendam?

Casal — Tédio.

Ambulante — Artigo fino! [Sinal sonoro. Abrem-se as portas, todos desembarcam] Porra, já era. [Sai, disfarçando]

[Sons de uma estação terminal de trem. O homem parado apruma-se, põe um sorriso ensaiado no rosto e sai falando ao celular. Rapaz fica no vagão. Longa pausa. Surge um funcionário. Acomoda-o em uma cadeira de rodas e saem, deixando somente a A Pedinte, contando os trocados, e o Tocador]

Tocador
[Cantando] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
O gole desse vinho
Beba dele sem medo
Seja doce seja azedo
O colo desse caminho
Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
“Ói, óia o mal
Vem de braços e abraços
Com o bem
Num romance astral”
[Saindo] Vem, vem, meu bem, vem
Vem comigo, nesse trem
A Pedinte — Deus lhes paga, sinhôri... [sai]

Luz cai

Julho/2005

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